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Assistencialismo vs. Inclusão Produtiva: por que ainda ignoramos a barreira financeira das mães atípicas?

  • Foto do escritor: Luciana Garcia
    Luciana Garcia
  • 4 de nov.
  • 4 min de leitura
Um fundo rosa-bebê comporta uma maquininha amarela de cartão de crédito estilizada com visor e teclas azuis-claro. Dela, sai um extenso comprovante de papel onde se lêem as inúmeras despesas da mãe atípica. O logo do movimento maternidade atípica assina a arte no canto inferior direito, em branco.

Quando se fala em inclusão de pessoas com deficiência, o discurso dominante ainda gira em torno de “ter direito”, “ser assistido”, “receber benefício”. Compreendo profundamente a importância dessas falas, mas não há como ignorarmos a sua problemática. A questão é que essa visão limitada — e muitas vezes paternalista — desvia o olhar do que realmente sustenta a inclusão: autonomia econômica.


É sempre bom lembrar que essa autonomia da pessoa que nasce com deficiência ela começa muito antes da pessoa se tornar um adulto. As famílias em sua maioria vêem seu padrão de vida despencar com gastos que estão longe de ser escolhas. Verdade seja dita: a pessoa com deficiência é alguém que precisa de investimento pra conquistar sua autonomia.


E quando o assunto é maternidade atípica, esse investimento torna-se um peso desumano. As mães atípicas (aquelas que cuidam de filhos com deficiência) vivem o impacto financeiro da exclusão em dobro — e o assistencialismo estatal, embora importante, não resolve a raiz do problema.


O cenário invisível por trás dos números


Dados que escancaram a desigualdade na inclusão


·       O Brasil tem 14,4 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 7,3% da população (IBGE, Censo 2022);

·       Apenas 26,6% dessas pessoas estão empregadas, contra 60,7% da população sem deficiência (Ministério dos Direitos Humanos, 2023);

·       Mesmo com a Lei de Cotas (Lei nº 8.213/1991), quase metade das vagas obrigatórias para pessoas com deficiência seguem desocupadas.


Esses dados expõem o abismo entre o discurso de inclusão e a realidade do trabalho. E quando adicionamos a maternidade atípica à equação o desequilíbrio se torna ainda mais cruel.


Como a inclusão produtiva se afasta das mães atípicas


Vamos lembrar que o salário médio das mulheres no Brasil já é 21% menor que o de homens em cargos equivalentes (governo federal, 2025). 78% dos pais abandonam os filhos com deficiência antes mesmo da criança completar 5 anos de idade (Salvatori, 2025). Para além das questões orçamentárias, soma-se a essa conta a questão da saúde mental desta mulher em situação tão vulnerável: sem emprego, sem apoio, sem renda. Enquanto isso, políticas públicas oferecem benefícios pontuais. Milhares de mães atípicas são forçadas a abrir mão de suas carreiras diariamente, e ainda assim dar conta de uma rotina exaustiva: terapias, escolas, transporte, acessibilidade. Para além do desejo de oferecer mais para seu filho, a mãe atípica sofre com as faltas:


  • Tempo: a rotina de cuidado consome a maior parte do dia;

  • Oportunidade: empresas ainda tratam mães atípicas como risco e não como ativo;

  • Renda: menos tempo para trabalhar, menos renda familiar, mais vulnerabilidade;

  • Empreendedorismo por necessidade: muitas criam negócios próprios, mas sem estrutura, apoio, rede ou capital de giro;


O resultado? Um ciclo de exclusão onde o “assistencialismo” se torna um teto — e não um degrau. Estranhamente, nunca consideramos a inclusão produtiva das mães atípicas.


Assistência é direito, mas não basta


Ter políticas de proteção social é essencial. Mas assistência não pode substituir a inclusão produtiva. Quando o Estado ou a sociedade tratam a deficiência apenas como pauta de benefício e não de participação econômica, reforçam a ideia de incapacidade e dependência.


Por outro lado, a inclusão econômica transforma:


  • Gera autonomia e autoestima;

  • Reduz vulnerabilidade social;

  • Tira famílias da linha de pobreza;

  • Fortalece o papel das mães atípicas como agentes de mudança;


O papel da iniciativa privada


O mercado de trabalho cumpre parcialmente sua função social. A Lei de Cotas impulsionou contratações de pessoas com deficiência. Mas a realidade é que a maioria delas não tem qualificação e autonomia para ocupar os cargos que as empresas querem oferecer, por conta de um capacitismo sistêmico e associativo que começa na mãe atípica. Além da maioria das empresas ainda enxergar a inclusão como obrigação legal e não como estratégia de inovação, a mãe atípica não é vista como parte da diversidade.


É urgente que empresas:


  • Implementem jornadas flexíveis e ambientes acessíveis para estas mulheres;

  • Reconheçam o valor da maternidade atípica como uma pessoa altamente resiliente, acostumada a trabalhar num ambiente de pressão e com criatividade treinada para resolução de problemas;

  • Apoiem programas de formação e empreendedorismo inclusivo;

  • Façam parcerias com projetos e movimentos sociais — não como caridade, mas como investimento em impacto real;


Da assistência ao protagonismo


O Brasil precisa de políticas e empresas que vejam a maternidade atípica como parte essencial da economia, não como exceção. É hora de migrar da lógica da ajuda para a lógica da oportunidade.


Não é sobre caridade. É sobre justiça econômica.

Não é sobre dar voz. É sobre abrir o microfone.

Não é sobre inclusão simbólica. É sobre presença produtiva.


O movimento Maternidade Atípica: um convite à ação


Como jornalista, palestrante e criadora do movimento Maternidade Atípica, tenho levantado essa discussão com coragem e consistência. E não tem sido fácil. Falar sobre maternidade atípica não é falar só de afeto e acolhimento, é falar de economia, de trabalho, de políticas públicas e de dignidade.


E há uma forma muito simples de contribuir com o movimento — sem precisar criar nada novo:


Compartilhe as ideias, textos e mensagens que você está encontrando aqui. Ao invés da série da Netflix, na roda do bar, chame os amigos pra trocar ideias e opiniões sobre questões como essa. Cada vez que alguém publica, cita ou repassa uma reflexão sobre a maternidade atípica, esse assunto ganha mais relevância. É assim que o tema sai do nicho e alcança empresas, gestores, formuladores de políticas e cidadãos comuns.


Se esse texto fez sentido pra você, compartilhe. Envie para alguém do RH da sua empresa. Publique um trecho (com crédito e link). Mencione o movimento nas suas redes. É assim — amplificando ideias — que transformamos assistencialismo em inclusão de verdade.


créditos:


Por Luciana Garcia

Jornalista, palestrante e especialista em culturas inclusivas. Fundadora do movimento Maternidade Atípica, que atua pela conscientização sobre deficiência, maternidade e equidade social. maternidadeatipica.com.br

 
 
 

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